Sou um memorialista, não nego, mas nem todas as minhas memórias são de
coisas agradáveis. Algumas poucas, bem sei, são amargas e dolorosas, mas não
posso me furtar em lembrá-las.
A memória que originou este texto é recente. Aconteceu há poucos dias,
mas tenho certeza, será lembrada com dor até o fim de meus dias.
Bem, sem mais delongas, sem rodeios e caminhos tortuosos, vamos ao
registro desse episódio constrangedor a que me submeti recentemente.
Quando entramos na “melhor idade” somos obrigados a dar “melhor vida
profissional” aos médicos e demais profissionais da área da saúde. Comigo nada
é diferente. Há poucos dias fui a uma consulta com a geriatra que
controla minha vida, receitando drogas que possam me manter ativo e
independente. Independente até a página terceira, pois ganhei de uns tempos
para cá, a companhia constante de minha fiel escudeira em todas as entrevistas
médicas que sou obrigado a comparecer.
Necessário registrar que não estou, de forma alguma, reclamando da
companhia, mas na presença dela algumas mentiras, ou melhor, algumas ocultações
de verdades não mais me são permitidas. Ela não permite e me desmente
abertamente.
Pois muito bem. Nessa recente consulta eu já havia decidido que iria
comentar de minha preocupação em reativar um acompanhamento urológico, mercê de
pequenos probleminhas que vinham ocorrendo. Essa decisão veio à baila na
consulta e, questionado, disse que estava inclinado, acreditando ser necessária
uma consulta com o especialista da área.
Ela, de imediato recomendou uma colega especialista em Urologia e
prescreveu os exames preliminares de sangue e urina que eu devia fazer para
apresentar na primeira consulta.
Sabendo ser uma médica quem iria me atender, desarmaram-se as
“restrições machistas”. Marquei a data, fiz os exames e esperei o momento da
consulta.
Na data aprazada, nos encaminhamos, eu e minha fiel escudeira para o
local onde a médica nos atenderia. Lá chegando, bisbilhotei e descobri que a
doutora em questão era bem mais jovem do que eu imaginara. Assim sendo, fiquei
ainda mais tranquilo. Na certa ela era adepta de procedimentos mais modernos e
teria abolido as práticas hediondas de urologistas do passado.
Fui chamado e adentramos ao consultório. Sentamo-nos e o bombardeio de
perguntas teve início. Respondia a todas lógico, evitando pintar de vermelho ou
ser demais alarmista nas respostas. Evitava olhar para o lado da minha
acompanhante para não ver o olhar reprovativo para algumas respostas menos
esclarecedoras.
Pronto, a inquisição terminava sem maiores consequências. Analisando os
resultados dos exames que eu lhe apresentara, a médica conclui que meu caso não
era de extrema dificuldade. Uma acentuada perda de hormônios exigia uma
reposição imediata. Outros pequenos problemas deveriam ser combatidos
ministrando remédios paliativos.
Convidou-me a médica a acompanhá-la para o outro lado do consultório,
sem a minha acompanhante e pediu-me que deitasse numa maca. Confesso que
no momento, dando vazão à minha veia histriônica, pensei, agora ela vai me “abusar”.
Deitei. Pediu-me ela então que soltasse minha cinta, abaixasse a calça e
a cueca até os joelhos, dobrasse as pernas e relaxasse o corpo.
Disse,
então, a frase mais indesejada “-Fique calmo, não vai doer nada!” e, de
imediato, procedeu ao gesto odiado, mas claro, necessário.
Pensei:
“até tu, doutora?”. Nem tive tempo de buscar uma resposta mais esclarecedora;
ela, como se estivesse ministrando uma aula, foi apalpando, ou melhor,
dedilhando e dizendo, aqui está a próstata, não tem nada de anormal, apenas
está um tanto alterada devido sua idade.
Terminou
a consulta, mandou que eu me recompusesse e disse, vou lhe ministrar uns
remédios para o período de um mês e depois, no seu retorno, vamos ver como
estará (acho que ela gostou de me dedilhar).
Recebi a receita,
agradecemos e saímos. Comentei com a Sonia que tinha sido abusado com muito
carinho, no que ela concordou.
E nos
dirigimos à farmácia para comprar os tais remedinhos. Foi então que eu percebi
que minha urologista era, realmente, uma grande tarada. Um dos remedinhos por
ela receitado tinha o custo, absurdo de R$ 269,00. Prova mais do que clara que
ela queria mesmo me F......., não comprei o remédio e estou
pensando seriamente se irei ao retorno da consulta, uma vez que ainda sou um
pobre e remediado aposentado que ganha pouco e não tem reposição de perdas há
muitos anos.
Por
Miguel Chammas