quinta-feira, 20 de junho de 2013

MEMÓRIAS FÚNEBRES



Sou partidário da opinião que o homem começa a morrer imediatamente após o seu nascimento. Esta convicção é real e totalmente coerente. Não quero, com ela, afirmar que sabemos quando iremos morrer, apenas sabemos que a morte é inevitável, inexorável, e cada vivente está sujeito a morrer desde o primeiro instante de vida. O grande barato é não termos, absolutamente, nenhuma pista de quando se dará pó fim de nossa vida, a menos que decidamos, em ato extrema covardia ou desespero, darmos fim a ela com nossas próprias mãos.

Ora muito bem, no intuito de melhorar os fluidos e o ambiente, desanuviemos um pouco este texto tétrico, cabe-me o dever de explicar minhas intenções.
Resolvi abordar o temo “morte” e, mais especificamente, dissertar dobre “velórios”.

Atualmente, não sei por que carga d’água evita-se falar ou mesmo mostrar às crianças, sobre mortes e seus rituais.

Já me disseram que se faz assim para salvaguardar os representantes infantis, de assuntos cruéis e que representem perdas inevitáveis. Vamos contar às crianças que aquele avô que lhe enchia de balas e guloseimas, se transformou em mais uma estrelinha no céu, que aquela tia rabugenta, agora está voando entre os planetas com asas feitas de penas de espanador (será que elas ainda sabem o que é um espanador?).

Para se evitar choques, tomamos a decisão de não mostrar os mortos, devidamente encaixotados, mesmo que transformados em jardins floridos, mesmo que os ambientes dessas mostras sejam salas de velórios públicos, bem iluminados e arejados.

Eu, sou remanescente dos anos 40 quando as famílias não tinham tais preocupações, muito menos tinham à sua disposição salas de velórios publicas.

As mortes eram choradas e sentidas dentro dos limites das suas próprias residências. Para tal, as famílias locavam nas funerárias a ESSA (estrado de madeira para apoiar o caixão do defunto) e a armavam, de preferência na sala de jantar, juntamente com os demais acessórios.. Enfileiravam ao redor dela várias cadeiras para que as pessoas pudessem se sentar e enfrentar todo o ritual do velório, que normalmente, atravessava uma noite inteira e parte do dia posterior, até que o féretro fosse conduzido ao cemitério.

Na sala onde aconteceria o velório, as janelas eram cobertas com cortinas pretas ou roxas, debruadas em dourado e também locadas da agencia funerária. As coroas de flores também eram alocadas ao lado do caixão. Os quatro cantos do caixão eram guardados por quatro castiçais enormes e com velas mais enormes ainda, que ardiam durante toda a cerimônia.Tinha também um aparelho elétrico que ligado à tomada ozonizava e desinfetava  o ambiente.

Como parte oficial do velório, as mulheres sentavam-se na sala, confortando-se umas às outras, ora rezando, ora conversando aos sussurros. As crianças corriam e brincavam, desobedecendo  as ordens das mães que queriam vê-las quietas respeitosas (doce ilusão), mas não se impressionavam em demasia com o acontecimento.

Os homens, em grupos, se colocavam à entrada da casa ou no quintal dela, perto porém, da garrafa de cachaça ou do bule de café quentinho, que eram na certeza, as bebidas mais consumidas na ocasião.

A família, além de prantear o morto, era incumbida de preparar os comes e bebes, por que velar o morto carecia de dar trabalho aos dentes dos presentes. Então, durante a madrugada, servia-se uma canja forte, uns lanchinhos de pão com mortadela e ou outro recheio qualquer.

Eu posso afirmar que participei de alguns velórios lá na casa da Rua Augusta. Que eu me lembre, foram os velórios de minha avó, do meu avô e da minha tia e nunca me impressionei pelo ritual.

Aliás, as mulheres de antigamente, quando sabiam que uma pessoa tinha medo de velório recomendava que ficasse de frente aos pés do defunto, segurasse nos pés do dito cujo e fizesse, um pedido para  ele levar seus medos para as profundas dos sete palmas. Diziam que era uma simpatia prá lá de boa. Não posso afirmar a eficiência a  pois nunca precisei fazer uso desse expediente mágico.

Bem, depois dessas divagações todas, eu me pergunto, será que vale a pena toda essa blindagem moderna às crianças de hoje?



Por: Miguel Chammas

7 comentários:

Anônimo disse...

Miguel, semana passada fui no velório/entêrro de uma Tia, irmã de
meu Pai.
Fiquei só observando as pessoas que "choravam" mas sem lágrimas e pensei:
"- Puxa que estranho é este mundo, as pessoas passam décadas sem ver a referida e agora ficam "chorando"...
Mas cada qual na sua. Estou perdendo
amigos que trabalharam comigo por
câncer. Incrível. Mas é a vida.
Abraço.
Indo pro batente.
Asciudeme

Laruccia disse...

Mesmo com essa dúvida sobre a hora fatal, Miguel, ela será indubitavelmente, pacífica pois, por maior que seja a gravidade da causa-mortis, não deixará sequelas e nem recordações, tudo terminará como começou. Sem nenhuma recordação. A questão das crianças, se devem ou não ver defuntos no caixão, como vc diz, Miguel, eu também assisti muitos velórios e nem por isso fiquei traumatizado. Sua descrição sobre os velórios "domésticos", eram exatamente como vc contou. Até as decorações em preto e ouro, deixavam claro a origem: trabalho do "Rodovalho", o expert em matéria de velórios. Os carros que, pra mim, eram sempre os mesmos, alemães (não lembro a marca)dos anos "20". Gostei do seu trabalho, Miguel, parabéns.
Laru

margarida disse...

Miguel, tenho trauma dos velórios.Acompanhada de mina mãe e ainda pequena, lembro de ver muitos defuntos com algodão enfiado no nariz e isso me dava grande aflição. Hoje fujo de qualquer velório e se realmente preciso comparecer, não chego perto, prefiro lembrar da pessoa como ela era. Para mim era cruciante ver um defunto no caixão. Muito legal seu texto. Um abraço.

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Miguel, eu sou veterano em velórios, só na minha família em 2 anos ocorreram 3, isso sem contar mainha mãe, meu irmão, meu pai e meus 4 avós, mas é a ordem natural das coisas, é bom poupar as crianças nessa hora pois elas terão tempo para ver (no seu relato o amigo esqueceu de citar que ao lado do caixão era costume se colocar um copo com água e um ramo de alecrim, cada um que chegava molhava o raminho e fazia o sinal da cruz sôbre o falecido, excelente relato, abraços, Nelinho.

Wilson Natale disse...

Pois é,Miguel.
Todo o ser humano sofre de uma doença incurável e terminal: Sofremos de VIDA.
E como disse um poeta:"Vivemos de viver até morrer"...
Como você, nunca me distanciaram da realidade da vida.
Hoje distanciam as crianças dos velórios. Mas, não podem fazer nada quanto aos mortos caidos na rua, deixados alí, a descoberto, esperando longamente pelo "rabecão" do IML...

Abraços,
Natale



Zeca disse...

Miguel,

excelentes considerações, pois eu mesmo participei de vários velórios, todos exatamente como você descreveu, sem criar nenhum trauma e sempre aproveitando a reunião de primos ou mesmo de outros moleques para brincar e me divertir, como se estivesse em alguma festa.
Gostei do tema e do texto! Parabéns!

Abraço.

Anônimo disse...

Miguel, que maravilha te reencontrar por aqui. Gostei muito do seu texto e concordo que a blindagem das crianças tem que ser repensada. Atualmente me dou bem com a ideia de morte, acho que ela pode ser até mais suave e chego a planejar a minha vida futura, pois acredito em vidas sucessivas. Um abraço, meu querido, Vera Moratta.