(crônica da Cidade nos Tempos de Sexo, Drogas & Rock’n Roll)
Toda a Crônica é desencadeada por alguma razão. As
razões desta minha Crônica são três. Razões cristalizadas em velhas fotos.
Como a vaticinar o final dos tempos, surge nos céus
um cometa brilhante. O Cometa Janis Joplin (1943-1970) iluminou e aqueceu os
adeptos do Movimento Hippie. Assim como apareceu, o Cometa Joplin desapareceu
em meio a sua trajetória.
O Furacão Jimmy Hendrix (1942-1970) destruiu a
América, ainda acomodada ao modo de viver dos anos 50. Enlouqueceu os jovens e
influenciou a nova maneira de viver que se delineava.
1969 – Milhares de jovens pioneiros deixam suas
casas e caminhando, de carro, de carona vão ao Festival de Woodstock. A partir
desse festival o mundo nunca mais seria o mesmo. Lá, Joplin e Hendrix levaram à
loucura total 500.000 jovens.
Janis e Hendrix ficaram por mais um tempo e, em
1970, partiram em uma viagem sem volta. Não viram os hippies se tornarem os donos
da década de70;
Woodstock virou história.
Virou lenda que os velhos das décadas futuras
contarão, sem censura alguma, aos seus netos...
Não se tapa o Sol com a peneira! Aconteceu
(acontece ainda). É realidade. É um lado triste da Historia da Cidade de São
Paulo.
Tempos estranhos aqueles da década de 70.
Sofria-se muito com a “morte da bezerra”;
filosofava-se a respeito das magníficas “formigas azuis do Ceilão” e sua
importante função na natureza. Tínhamos discussões acirradas, pró e contra,
sobre “O Efeito dos Raios Gama nas Margaridas do Campo” e debatíamos se “O
Apanhador no Campo de Centeio” era assalariado ou “bóia-fria”... E dúvidas
atrozes, do tipo: Quem governa a China? Mao, ou madame Mao?
Nos fins de semana, as noites eram repletas de
“curtição” pelos botequins da vida e pelas travessas da Augusta, onde se
conseguia a melhor “farinha” do mercado – a tal “branca de neve”, a “cocada”.
Nas “quebradas” da Consolação comprava-se “bolsas”
do “gero ‘bão’ da Bahia” que se fumava em “bombas” ou “fininhos”. As “bombas”
eram do tipo “passe pour tout” e os “fininhos” eram individuais...
Nos botecos e “muquifos” do Bexiga consumia-se
vinho, cerveja e macarrão. Nas quitinetes da Praça 14-Bis, Rua Paim e Frei
Caneca o “barato” era caldo de feijão com pinga e consumia-se muito pão. Depois
do “fumacê” sempre batia aquela fome... Nos porões da Liberdade, Vila Buarque,
transformados em pensões, tudo podia acontecer. Era o tempo do sexo, drogas e
Rock’n Roll...
Nos Jardins e no Pacaembu, as festas eram regadas a
“estupefacientes” e “psicotrópicos”. Era demais ficar “turbinado” e espiar pelo
buraco do caleidoscópio, vendo as pecinhas coloridas a formar desenhos quais
cristais de neve. Era um tremendo “barato”! Todos ficavam “au de là du
Marrakech” (Pra lá de Marrakech.).
E, vez ou outra, um adepto de “Lucy in the Sky with
Diamonds” (LSD) partia em uma viagem sem volta. Outros “baixavam” no Pronto
Socorro das Clínicas por causa da overdose...
Na rua, a cocaína, o “fumo” “y otras cositas más”
causavam “revertérios” além da imaginação: A “mina” tirou a roupa na Barão de
Itapetininga e começou a dançar e a cantar dizendo que era a Mãe Natureza, a
Eva Universal...
E eu? Eu que não curtia esse “lance” de drogas
(Sexo e Rock? Sim! Sim! Sim!), o que fazia no meio deles? Eu vivia, oras! Eu
era, para eles, a “ovelha psicodélica”.
E o que é uma ovelha psicodélica? É alguém como eu,
”maluco” ao natural. Alguém que nunca se acomoda, mas se adapta a tudo.
Nasci “muito louco”, “over” e tudo na vida me
emociona e enlouquece. Não julgo, aceito. Não seria capaz de viver com
determinadas pessoas, mas convivo com elas. Nasci em janeiro. Sou de Aquário,
pô! Então, “Let the sunshine in...”
Pelo meu jeito de ser convivíamos todos muito bem.
E alguém, quando eu disse ser uma ovelha negra entre eles, retrucou dizendo que
eu era o mais maluco de todos e que eu estava mais para ovelha psicodélica.
E a coisa ficou mais evidente quando os “omi”
“passaram batidos” pelos “malucos” e me deram uma “geral”, perguntando onde eu
tinha “mocosado” a “coisinha”... É. Eu sem perceber, sem usar, tinha ficado,
“com certeza, maluco beleza...” Quem anda com mancos acaba mancando.
A bem da verdade, não me drogava, mas era chegado
num “mé”. “Me amarrava” em doses e doses de conhaque. Começava a beber em alto estilo:
Umas doses de Domecq, outras de Napoléon e depois caia no Presidente e,
fatalmente, terminava a noite “mamando” um Conhaque Palhinha ou Conhaque de
Alcatrão São João da Barra. Eu e a Reca (Regina), a “porra-loca” mais gostosa
lá da Avenida Angélica!
Entre “pegas”, sustos e “baratos”, vadiávamos pela
noite, até cair de “porre” ou de sono. E quando “Morfeu” chamava, ia-se para
casa ou pegava-se uma “beira” nos bancos do Trianon, nas escadarias da Bela
Vista. Ou dormia-se pelo chão das quitinetes.
E todas as manhãs de domingo, nove horas, eu estava
com meus amigos junto à banca de bolsas do Zezão, lá na feirinha da Praça da
República. Estávamos mais amarrotados que papel de embrulho jogado no lixo.
Passa-passa de gente de todo o tipo, vozes mercadejando produtos, cheiros
enjoativos, motores, buzinas e o bimbalhar dos sinos da Consolação. E eu
rançando a Patchoulli. Zezão, ainda sob o efeito do “bode” de uma noitada
intensa estava caladão, lidando com alicates, fivelas e ilhoses. Eu, depois de
uns “trocentos” conhaques tomados na noite tinha na boca um gosto de cabo de
guarda-chuva e a “tchurma” estava mais calada do que mudo com laringite...
Ah! Eu era tão jovem nos anos 70! Tempos de “Paz e
Amor”.
Hoje, ainda permanece nas minhas recordações a
saudade dos amigos mortos pelo uso das drogas, permanece também as suas vozes
junto a minha, gritando pela utopia “Paz, flores, liberdade, felicidade”...
Tenho ainda, bem guardadas, a velha bata e a
pulseira que me acompanharam pelos anos 70.
É... Tempos muito, muito estranhos aqueles dos anos
70...
Uma década brilhante, mas triste. Onde muitos
seguiram em frente sonhando a vida e outros tantos se deixaram ficar, sonhando
as drogas. Muitos se encontraram e outros tantos se perderam para sempre.
Logo os holofotes que iluminaram a década se
apagariam e, assombrados, veríamos o fantasma da AIDS obscurecer a década de 80
que se iniciava...
Por: Wilson Natale