sexta-feira, 14 de março de 2014

A primeira e a última vez






Uma primeira vez. A primeira que fui ao teatro (adulto) nunca esqueci.

Era no Teatro Bela Vista (hoje Sergio Cardoso e antes, Cine Espéria), e fui assistir Gigi, de Collette, com Paulo Goulart e o "resto" do elenco: Conchita de Morais, Henriette Morineau, Suzana Freyre.

Eu, de vestido de laise cor de rosa, sapato de verniz preto e meias brancas.


Vi no palco também pela primeira vez, aquele ator maravilhoso, bonito, charmoso. Era 1958. A última vez foi no ano passado, em O Tempo e o Vento, quando tive a certeza de que seria a última vez que o veria atuando. Já não era. 



Por Teresa Fiore

sábado, 1 de março de 2014

Casos do passado



Era muito trabalho para Dona Linda, minha mãe, por esta razão a tia Maria, que morava no Jardim Penha, estava sempre em casa para ajudá-la a cuidar dos seus nove filhos. Morávamos na Rua Antônio Lobo, no bairro da Penha de França, e minha mãe não dava conta de lavar, passar, cozinhar, limpar e tantas outras atividades que uma família grande como a minha precisava, ainda bem que esta tia podia ajudá-la a tomar conta do pequeno batalhão. Claro que meu pai havia combinado um salário, a condução e outras coisas que ela viesse a precisar, afinal de contas, tínhamos seu carinho com muita exclusividade.
Elas conversavam muito, minha mãe e a tia Maria que estava sempre alegre a nos ajudar em tudo que precisávamos.  Muitas vezes eu as via conversando baixinho, mas eu estava sempre atenta nestas conversas que certamente minha mãe não queria que escutássemos.
Certa vez, ouvi em uma destas conversas que uma vizinha apanhava constantemente de seu marido. Eram surras que judiavam e marcavam física e moralmente esta mulher. Isso acontecia porque ele parava em um bar para beber uma birita após o trabalho, mas acabava bebendo em excesso. Depois, ele descia a nossa rua cambaleando e as paredes das casas funcionavam como guia e apoio ao mesmo tempo. Alterado pelo álcool e já em casa, falava mal, batia em sua mulher e, depois da discussão, ainda jogava com desprezo o prato de comida que com certeza era feito com carinho, no chão.
Depois de um tempo, quando estávamos maiores, minha mãe acabou nos contando casos que haviam acontecido no passado com algumas mulheres que moravam na redondeza e dois deles ficaram retidos em minha memória. No primeiro, a mulher levou tantos chutes de seu marido nas costas que acabou com um rim danificado que precisou ser retirado. O segundo caso foi o de uma mulher que sofria maus tratos e que, para piorar a situação, acabou pegando tuberculose, então seu marido a abandonou levando sua única filha. Depois de um tempo, essa mulher sem tratamento algum, sem recurso e na miséria, acabou morrendo. Esta mulher chamava-se Ana; nunca esqueci seu nome. As lágrimas sempre marejavam os olhos de minha saudosa mãe quando comentava sobre este fato.
Outro caso era o da mulher de um advogado que era mantida presa em sua própria casa. Ela saía raramente e apenas na companhia de seu marido e nunca cumprimentava as pessoas, pois seu olhar era fixo no chão, acho que por ordem de seu marido. Ela tinha uma aparência muito estranha apresentando certa palidez. Os cabelos pretos eram presos e cobertos por uma tela e suas roupas eram sempre escuras com mangas e saias longas, chegava assustar a todos.
Naquele tempo, as mulheres eram usadas para o trabalho doméstico ou então para trabalhos de baixo escalão e sem segurança alguma quando precisavam ajudar no sustento da família. Totalmente desprotegidas e sem leis que as amparassem, não tinham muita saída a não ser aguentar tudo isso.
Todos estes casos contados pela minha mãe eram, na verdade, o produto de uma sociedade machista e que desvalorizava descaradamente a mulher.
Graças à união de muitas mulheres e muita persistência as nuvens negras foram-se diluindo e, aos poucos, foi surgindo uma nova sociedade, transformada com o decorrer da história e que hoje reconhece, dignamente, a mulher como a grande doutora nos diversos setores da vida e da nossa sociedade. O respeito aos seus direitos, ao seu trabalho e a sua vida ganharam um enorme espaço.
Hoje presto uma homenagem em especial àquelas mulheres que sofreram e lutaram por uma vida melhor e mais digna e que hoje já não se encontram mais aqui.
Aproveito para estender os parabéns àquela mulher que não foge a luta, não tem medo de assombração, nem de escuridão. Àquela de sabedoria única, de força, de paciência grandiosa e que não teme esconder sua afetividade que flui livremente dentro da sua alma.
O dia que foi dedicado à mulher é um marco de muita tristeza, mas que reflete a nossa maior alegria pelo espaço ganho e que foi construído ao longo de tantos anos.
Um abraço com carinho a todas as mulheres da cidade de São Paulo.





Por Margarida Peramezza