Música: Ave Maria, de Gounod - com Jessye Norman (para ouvir, clique no play)
Domingo chuvoso. Estou sozinho.
A TV ligada mostra o burlesco programa do Faustão, e o som dela emanado
preenche os espaços vazios do ambiente.
De repente, não mais que de repente, as notas de uma melodia chegam aos
meus ouvidos desatentos.
Procuro prestar mais atenção e reconheço os acordes. É a Ave Maria de
Gounod.
Meu coração, tão cansado de apanhar, começa a bater em ritmo de triste
lembrança.
Adoro essa Ave Maria. Ela me traz uma calma triste, ou será uma agitação
melancólica?
Não sei explicar, apenas sei sentir; e sinto.
Será que o clima natalino propiciou essa nostalgia exagerada? Não sei. Só
sei que, ouvindo os acordes dessa Ave Maria, senti meus olhos marejados.
Forcei uma piscada mais prolongada para, quem sabe, derrubar o excesso
lacrimal em meus olhos, foi em vão, as lágrimas teimaram em minar uma a uma e,
lógico, rolarem dessa mesma forma por sobre minha barba já acumulada por dias
sem um efetivo escanhoamento.
Busco, lá no âmago do peito, encontrar uma justificativa plausível para
esse surto de nostalgia.
Será o excesso de decepções acumuladas nos últimos dias?
Será a falta absoluta de uma reserva de fundos para fazer frente às
necessidades básicas?
Será a ausência de entes amados que, por falta de possibilidades ou
interesse, cada vez mais se distanciam?
Será o peso inevitável dos anos que a cada dia maltrata meu corpo?
Será que a cada dia aumenta mais a minha decepção com a vida?
Que será? Que será?
Estanco o pensamento e busco ouvir, no silêncio, a resposta dessa
indesejada angústia.
Nada...
Apenas e tão somente a suavidade das notas musicais da peça de
Gounod paira no ar e sufoca meu coração.
As lágrimas continuam a brotar, as lembranças, boas e ruins, surgem em
borbotões (ou serão golfadas?), a tristeza se acomoda cada vez mais em minh‘alma.
Desisto. Abro mão de buscar justificativas ou soluções.
Calo-me!
Fecho os olhos e aguardo a dissipação desse momento indesejado.
Sei que ele irá passar e apenas sobrarão os rastros dessa sensação
estranha e angustiante.
Aguardemos, pois.
Silêncio!
Por Miguel Chammas