Diante da onda avassaladora de fatos relacionados com homofobismo,
homossexualismo, pederatismo, com as múltiplas apresentações de peças, shows,
telenovelas, radiofonizações de caráter atrativo e pedagógico, explorando estes
segmentos, lembrei-me de fatos que, na época não dei a importância devida,
mesmo por que, não era muito apropriado a menção desses fatores em
qualquer redação ou menção em papos de esquinas.
Pelos jornais e revistas, pode-se sentir a enorme diferença nas
publicações entre aquela época, (1940\50\60), e atual, a recorrência de
termos que, outrora, por tabus ou receios da opinião pública, não havia
abuso. Simplesmente o redator recorria a um sinônimo ou, eufemisticamente
mencionava, num texto qualquer, rebuscava toda a seqüência da crônica
afim de fugir da palavra correta mas, ofensiva aos leitores alheios a esta
“ousadia”.
Com a permissão dos amigos leitores, vou recorrer ao tempo verbal,
presente, o que pretendo contar.
Todos os nomes citados são fictícios, por motivos óbvios e pra que eu
tenha um pouco mais de liberdade.
Pois bem, por volta dos anos da década de 1950, na eminência de casar,
trabalho numa empresa de embalagens, Shellmar, empresa americana, que esta
localizada na rua Pres. Batista Pereira, travessa da av. Presidente Wilson,
entre a Moóca e Vila Prudente, conhecida como “ilha do sapo”, na função
de desenhista. Como vizinhos, temos uma indústria relativamente
nova, a Kibon, fabricante e distribuidores de picolés, popularizando a venda em
carrinhos, como fazem atualmente os ambulantes de guloseimas destinadas às
crianças.
Temos, também, a Lorenzetti, Arno, Cia Antártica e outras empresas
de porte.
Na Shellmar, no setor de desenho, somos três funcionários, com a grande
artista Anna, alemã que relata a nós, as atrocidades sofridas na
Alemanha, perseguida que foi por ser judia. Muito simpática, mas enérgica nas
atividades correlatas, como chefe da seção. O setor de gravação de
cilindros, tem, como chefe, o gravador suíço, Sr. Henri, altamente técnico,
favorecido pelo empirismo, adquiridos em seu pais.
Os auxiliares do Sr Henry, são três, o Joaquim, com mais experiência é o
imediato do chefe e os outros dois rapazes, aprendizes. Os dois
aprendizes, Edson e Ademir, são negros, o Joaquim, não. Poucos meses se passam
pra eu ficar sabendo que o Sr. Henry é homossexual, tem visceral preferência
por negros, como parceiros e os dois aprendizes, Edson e Ademir, são
tratados com todo cuidado, respeito, carinho e paparicados por ele, sr. Henry.
Os dois membros do pequeno harém do Sr. Henry, são simpaticíssimos, educados e
muito bem asseados, com vestimentas muito bem selecionadas, só da “A
Exposição”.
O ambiente é sempre bem amistoso, há bons papos e boas situações
irônicas, como o que aconteceu com um porteiro, Benedito, negro, alto, quase
dois metros de altura, mas de uma simpatia quase infantil, tanto é sua
inexperiência dos fatos da vida atual. Um dia, passo por ele e noto que está
com uma lâmina apontando o que parecia ser um lápis. Ele me pergunta: “Seu
Mudesto, meu lápis num escreve mais, acabou a ponta e não encontro mais o
grafite, por mais que tento cortar essa madeira tão dura... o Sr. pode ver se
consegue?” Logo vi que o que ele tem em mãos é a recém lançada caneta
esferográfica, sem gozação, conto a ele e ele fica admirado.
Um dia desses, soubemos que foi contratado mais um gravador, de nome
Waldemar Costa, moço de uns 27 ou 28 anos, também negro.
Fomos apresentados, o Waldemar é muito simpático, educado tem, nas
palavras proferidas, algo que foge um pouco do português comum. Exprime bem
termos poucos usuais, delicada e corretamente, sem fugir de uma conversa sobre
qualquer assunto. É delicado nos gestos, nobre nas atitudes, de uma
bondade sem igual, sempre pronto a servir quem dele precisasse.
Como fanático leitor de contos policiais e de mistério, minhas
eternas suspeitas de haver algo de, não errado, mas diferente nos dias que
seguem, vou a fundo. Converso com Waldemar e ele se abre comigo.
“Modesto, não sou brasileiro, sou africano, meu nome, Waldemar, é o que recebi
na pia batismal da igreja católica da Moóca, onde moro. Meu nome é Faissal, sou
um... príncipe, descendo de família imperial. Meu pai, preso pelo rei
Farouk, está sendo julgado por posse indevida do protetorado de sua
responsabilidade.
Meu tio, irmão do meu pai, foi fuzilado, perdemos nossos bens e fugimos,
eu e minha mãe, viemos para Brasil. Minha mãe, não resistiu a separação,
faleceu algum tempo atrás. Estou sozinho aqui, aprendi a gravação graças a
minha mãe que gozava de boas amizades, não quis ser mais muçulmana, pra mudar
meu nome, fui batizado com o nome cristão, Waldemar.”
Por Modesto Laruccia