terça-feira, 27 de março de 2012
Por fim acabei aceitando (meditação na semana santa)
Por fim
acabei aceitando,
Que meu
corpo, não é imortal.
que
ninguém, nesse mundo é o tal.
Todo
mundo envelhecerá
E por
mais que alguém sempre tente,
ninguém
ficará pra semente.
Por fim
acabei aceitando,
que se
ainda estou vivo no mundo,
É para
tentar dar um pouco de mim.
ser
alguém para o meu semelhante
caminhar
e seguir sempre avante,
e um dia
por certo partir.
Por fim
acabei aceitando
que meus
pais e irmãos não durariam para sempre.
que meus
filhos todo dia um pouco,
caminhariam
sem precisar de mim.
Que eles
não eram como antes eu supunha,
propriedade
exclusiva só minha.
E que a
liberdade e livre escolha
era um
direito deles também.
Por fim
acabei aceitando
Que todos
meus bens e meus dons
foram a
mim confiados e concedidos
apenas
por empréstimo.
E que
nesse mundo eu sou apenas
um
simples caseiro.
Cuidando
da propriedade do nosso
Proprietário
e Senhor.
Por fim
acabei aceitando.
que um
dia deixarei esse mundo,
sem nada
do que eu juntei
que meus
bens, e todos meus tesouros
partilhados
seriam um dia
por
outros que no futuro estarão por aqui.
Por fim
acabei aceitando,
que meu
apego aos bens materiais
só
dificultariam um dia ainda mais,
a minha
despedida, e a minha viagem de volta.
Por fim
acabei aceitando, que meu carro,
minha
conta bancaria,
A minha
casa na praia.
Nada
disso realmente jamais foi propriedade minha,
estava
tudo consignado.
Não foi
fácil ! Mas eu aceitei.
Tive que
aceitar até que eu nunca sou nada.
e que o
mundo continuaria sua longa caminhada
sem
precisar mais de mim.
Virei um
campo de Lutas
e no meio
das escaramuças
eu de
repente parei.
Parei,
quando notei,
o meu
orgulho ferido,
a
prepotência abalada
a minha
aparência mudada,
pelos
muitos anos vividos
Então
matei minha arrogância.
a minha
enorme ganância
me enchi
de enorme esperança.
e
procurei encontrar só a Paz.
Pois se
não é muito fácil mudar.
mais
difícil ainda é, aceitar.
Para
meditação durante a semana santa.
Por Arthur
Miranda (tutu)
Memórias desagradáveis
Pois é,
nem tudo na vida são flores, nem tudo é alegria. Às vezes um acontecimento
desagradável também fica registrado em nossa memória e nunca mais é esquecido.
Um dos
momentos desagradáveis da minha existência estava efetivamente embotado nos
recônditos de minhas lembranças e, nesta semana, acometido de duas violentas e
dolorosas prisões de ventre, eu lembrei-me do ocorrido que agora passo a
narrar.
Ano de
1950, eu morava na Rua Augusta, 291 e como soe acontecer nos imóveis daquela época,
minha casa possuía um quintal exatamente do mesmo tamanho da área construída.
Esse
quintal era o meu grande reino. Ali eu brincava e realizava todos os meus
sonhos infantis. Nele, além do tanque de lavar roupas, tínhamos um pé de
goiabas vermelhas que ficava, anualmente, carregadinho dessas frutas
maravilhosas. Tínhamos também uma ameixeira de frutos saborosíssimos.
No fundo, antes do galinheiro que guardava
algumas galinhas poedeiras e um galo vermelho arisco e imponente, tínhamos um
canteiro de hortênsias azuladas, minhas flores prediletas.
Acontece
que eu, moleque como sempre, adorava comer as goiabinhas antes que elas
madurassem por completo.
Quem me
inibia de comê-las em demasia era minha Tia Neide, que me chamando de moleque
glutão não me dava muita folga para trepar na goiabeira e me fartar com as
frutas.
Um belo
dia -sempre tem um belo dia- saem às
compras minha mãe e minha tia. Eu, pequeno grande-chefe tomei posse da
situação. Fui para o quintal e senti minhas glândulas salivares totalmente aguçadas.
Corri para minha amiga goiabeira, fiz a inspeção de praxe para verificar se não
estava, também, carregadas das nada amistosas taturanas que eu tanto temia.
Certificada
a inexistência daquelas largatas-de-fogo subi na goiabeira e me fartei de goiabinhas
quase maduras. Na verdade, quase comi todas, porem um barulho estranho me
colocou em alerta e eu desci do pé de goiabas bem no momento em que minha mãe e
minha tia surgiam na porta da cozinha procurando pelo “anjinho”.
Fiz-me
presente e elas se aquietaram vendo que estava tudo na mais perfeita ordem.
Dois dias
depois dessa aventura, coitadas das minhas velhinhas, passaram a noite em
claro, desesperadas, tentando acalmar este que lhes narra a história, acometido
de violentas cólicas abdominais.
-Será
apendicite? -Meu Deus tomara que não supore. -Será que são vermes? -Pode ser
uma solitária gigante. -Tome mais um chazinho meu querido, tome tudo que essa
dor vai passar.
E a dor
não passava. Já lá se iam 24 horas de queixas e choros e nada da dor ter fim.
-Vamos
pedir para o “seu Flavio” (velho boticário e amigo de antigamente, tão ou mais
competente que um doutor) vir dar uma olhadinha.
Sugestão
feita e devidamente aceita.
Depois de
alguns tormentosos minutos, eis que chega o “seu Flavio”. Olha meu estado,
aperta minha barriga, e faz a pergunta fatal:
Meu
filho, o que você come?
-Nada,
disse eu. Nem ontem ou anteontem?
Com a voz
meio engasgada declarei como réu confesso: - Comi umas goiabinhas.
Levanta-se
o velho farmacêutico, vira-se para minha mãe e diz: Ele está entalado, prepara
uma jarra de água fervida que eu vou até a farmácia buscar uns apetrechos e
vamos lhe aplicar um “clister”.
Meio
apavorado com o diagnostico, fiquei na expectativa para ver o que iria
acontecer.
Volta seu
Flavio com uma caneca alta, totalmente esmaltada de branco, dela saia como se
fora um rabicho, um pedado de mangueira vermelha e fininha endo na ponta um
tipo de torneirinha preta.
Pega a
leiteira d’agua que minha mãe lhe oferece, enche o canecão, esgota dentro dele
o conteúdo de um vidrinho, manda que eu arreie as calças e levante as pernas.
Com muito medo obedeço as ordens e ele, sem qualquer piedade aproxima aquela
torneirinha do meu frágil anus enterra-a e abre a torneirinha.
Sinto-me
invadido por um rio de água morna. Ponho-me a chorar e poucos minutos depois
seu Flavio retira aquele instrumento torturador das minhas entranhas.
Agora,
nem o alivio da retirada do instrumento me acalenta pois num acesso
incontrolável solto uma torrente de fezes recheadas de caroços de goiaba.
Lição
aprendida, nunca mais me arvorei a comer tantas goiabas.
Esta
semana, com meus acessos de prisão de ventre, lembrei-me do seu Flavio e,
confesso, rezei para que na me fosse aplicado, de novo, aquele tratamento.
Graças a
Deus não foi preciso.
Que desagradável memória!
Por
Miguel Chammas
sábado, 17 de março de 2012
A moto do Maurício
Ao ler o
belíssimo texto do nosso colega e colaborador do site, Anthony Mennitto, sobre
o desrespeito do poder constituído durante os anos da revolução militar,
lembrei-me de um fato ocorrido nessa mesma época, décadas de 70\80,
Meu filho
Maurício, que trabalhou no Itaú, nesse período, com pouco mais de 20 anos,
instalava os primeiros terminais eletrônicos na periferia e nas agências. Pra
se locomover melhor e com mais rapidez, comprou o transporte do sonho, (dele e
pesadelo meu), uma moto de cilindradas conforme a “grana” permitia. Com o
tanquinho cheio, era moto de1. 500 c.c., se ela (a moto) não tinha tanto, o
Maurício dava um jeito. Era um azougue, no fluxo e na contramão e nós, com
terço na mão. Levou alguns tombos, sem muita gravidade, um dos quais o obrigou
a uma cirurgia no ombro, até hoje com sequela.
Uma
ocasião, num sábado, deixando a moto na porta de casa, depois do almoço,
descobriu que ela tinha desaparecido. Levaram a moto embora. (só não pulamos,
de alegria, eu e a Myrtes, porque sempre tivemos respeito com nossos filhos).
Não perdeu tempo, precisava dela na segunda-feira pra trabalhar. Foi até a
delegacia da Vila Sonia, 93ª Delegacia, naquela época na própria Vila Sonia,
hoje na Av. Escola Politécnica. Registrou a queixa, deixou as especificações da
máquina e voltou pra casa. Disse a ele que se não encontrassem a moto (o que eu
achava muito provável), poderia ir trabalhar com o carro da mãe. Não esperou
muito, antes do fim do dia, recebe um telefonema, da Delegacia. Conseguiram
detectar um garoto com a moto. – Pô, isto é que é sorte, - gritei eu, - não
chegaram nem a esquentar o assento da moto. – Por que o Sr. está triste? (ele
sabia da nossa antipatia pela moto) – Claro que não, Mau, só que não vou com você
na delegacia, não acho necessário. – Pode deixar, pai, vou com o Paulo (amigo
de infância, até hoje); ele me leva até lá. - Depois me lembrei que ele
precisava de alguém que o levasse até a delegacia.
Foi e
ficamos aguardando sua volta, naturalmente, com a moto. Só que já era quase
noite e eles não tinham voltado. Telefonei pra casa do Paulo, ele atendeu e não
sabia como explicar por que o Maurício ficou retido na delegacia.
– Oh, seu
Modesto, deve ter sido problemas com documentação... Daqui a pouco ele vai
estar em casa. –
– Não me
agradou a resposta do Paulo; achei que havia alguma coisa errada, falei com a
Myrtes que ia até a delegacia.
– Antes,
telefonei pro Pascoal, filho de antigo companheiro nosso, no Braz, delegado,
lotado na delegacia da Brigadeiro Tobias (naquela época, hein). Chegando à
delegacia, olhei no pátio e vi a moto encostada, num canto. Apresentei-me, o
delegado de plantão estava lá, me atendeu e perguntei onde estava meu filho. -
Seu filho, o Maurício...? – Sim – respondi – o... Sr é o pai dele? Não, respondi, eu é que sou o filho dele... Vamos
deixar de lorota, meu amigo, meu filho veio aqui, respondendo a um chamado de
que a moto foi encontrada e ele veio pra retirar... Agora estou vendo a moto no
pátio, que fim levou meu filho, pó?
- Seu
filho está detido, por ordem do delegado titular... – Neste momento, meu sangue
começou a ferver... – Mas, qual foi a razão da detenção? – comecei a gritar –
- Calma
Sr. Laruccia, o Dr. (não lembro o nome do velhaco, vai este no lugar): -
Cordinólio está pra chegar, vai explicar tudo pro Sr,
- Ele
chegou logo, com um sorriso largo na face, retrato vivo da hipocrisia em
altíssimo grau e as mãos estendidas, querendo apertar a minha. Não estendi,
queria saber do meu filho, era só o que me interessava.
- Sr.
Laruccia, nós, com encargos espinhosos, tentamos manter a ordem, mas, às vezes
cometemos exageros, seu filho só foi detido, mas, nada de violência foi
cometida.
- Mas,
por que, pô, insisto, quero saber, por que? Como prender alguém que,
pacificamente, veio retirar seu bem, atendendo um chamado vosso?
- Se o Sr.
deixar, eu explico... - Fiquei em silêncio, com uma bruta de uma raiva, na
expectativa do Dr. Cordinólio se abrir.
- Ocorreu
o seguinte: Detectamos um garoto, na praça do relógio, ai no Jaguaré, com uma
moto, tentando fazer o motor “pegar”. Meus homens, com a queixa registrada,
detiveram o menor, mas, por causa da idade, não puderam prendê-lo.
- O
garoto contou uma história pra se livrar do flagrante. Disse que conhecia o
dono da moto e que ele havia lhe emprestado pra dar umas voltas por aí, no
Jaguaré. Chegando seu filho, perguntei se ele conhecia o garoto. Seu filho
negou, queria ver o garoto, expliquei-lhe que não podia detê-lo. Depois,
perguntei a ele, quem me garante que você não emprestou mesmo a moto para o
garoto e inventou essa história de roubo, pra fugir da sua implicância no caso?
-
Enfureceu-se, começou a gritar, xingando todo mundo; acalmei-o e mandei-o
esperar no “banheiro”. Traga o Maurício, Geraldão, chamando um dos policiais
fardados – devolva a moto dele.
-
Maurício apareceu, seu rosto lívido, branco, assustado, como se tivesse visto
um espetáculo de horror.
- Não me
contive, com os punhos fechados, perguntei a esse Dr. Cordinólio, o que vocês
fizeram com meu filho, seus...?
- Nisso,
o Maurício me segurou, impediu que eu fizesse qualquer coisa.
- Mais
tarde fiquei sabendo pelo Paulo o que eles, realmente, tinham feito que não
quiseram me contar nada, na hora, pra não cometer nenhum desatino.
- O
salafrário do delegado, logo que viu o Maurício, foi dizendo que ele voltasse
só na segunda-feira porque ele já estava de saída. O Maurício reclamou, dizendo
que precisava da moto pra trabalhar na segunda-feira. – Ela está no pátio, eu
vi, vocês me chamaram, eu... –
- Olha
aqui, garoto, vá embora senão te ponho atrás das grades... Pare de gritar
senão...
Se não o que? Quero minha moto de
volta...
O Mauricio nunca me contou tudo,
não estava habituado enfrentar estas situações naqueles tempos de perversidade
gratuita, levou uma surra daquelas, safanões e rasteiras como se fosse um
marginal qualquer. (fiquei sabendo disso só depois, pelo Paulo, que levou uma
tremenda bronca minha por não ter me contado tudo) não podia falar nada. Com a
oportuna intervenção do Pascoal, que tinha um cargo superior ao do famigerado Dr.
Cordinólio, liberando o Maurício. Soube depois, pelo próprio Pascoal que o
“distinto” delegado, sofreu muito nas mãos dos superiores. Vocês acreditam? Eu,
não. A arrogância, desprezo e brutalidade devem ter causado muitas mortes de
inocentes. Lembram-se do Wlademir Herzogue? Nunca vou esquecer tamanha
covardia, brutalidade animalesca, nem na idade média se registrou tamanha
selvageria.
Por Modesto Laruccia
Minha escola
Um
bando de crianças, meninos e meninas. Eles ainda de estilingue e bolinhas nos
bolsos, e elas sem saber com quem deixar as bonecas. A meta era entrar na
escola estadual, sinônimo de qualidade e garantia de um bom estudo, sem falar
que a custo zero. Para aqueles que não conseguissem êxito, restava o
desconforto de ir para uma escola particular. (Bons tempos aqueles).
Certeza de passar na admissão ao Ginásio Estadual Professora Emília de Paiva Meira se tinha, somente, se fizesse o cursinho de admissão da Dona Anita, ou da Dona Maria Japonesa. Aquilo tudo era muito diferente para nós, muito diferente de nossas experiências no Grupo Escolar que, para muitos, foi o Alvarez de Azevedo.
O primeiro dia de aula. Em que classe vou ficar? Será que meus amigos estarão na mesma classe? E agora, o professor, não mais um serão vários. Como serão eles? Reinaldo, Jacob, Mercedes, Benedito, Américo, Orlando, Iolanda, Maria Emília, Miriam, Valquíria e o diretor cara de bravo! Falava cuspindo, esbravejava e adorava fazer um discurso. Seu Luiz Perroni, um abnegado pelo Emília e por nós.
O professor de francês – sim, tínhamos francês –, Sr. Zezinho, o Lê Petit. Como poderia me esquecer do Sr. Mário, o ajudante geral, a orientadora, Dona Ana, e tantos outros. Um universo novo e imenso estava se abrindo para nós.
Fiquei na 1ª. G, inimiga número um da 1ª. H nas disputas de debate de geografia; porém, perdíamos todas no futebol. Nossa classe era de alvenaria e ficava bem defronte à lanchonete. A 1ª. F e outras eram nas classes de madeira.
Classes de madeira com buraco no assoalho, por onde os meninos ficavam no intervalo, olhando as pernas das meninas e de algumas professoras. Naquela época, nós, meninos, ainda não pensávamos tanto nas meninas, e estávamos sempre mais preocupados em aprontar alguma ou jogar campeonato de tampinha na quadra. Lembro-me da tijolada que o Montório (Balarmino) deu na cabeça do Orlando Valone, ali na entrada da escola, onde havia os tanques e o poço. O Valone ficou com o pescoço torto até hoje.
No primeiro ano, não tínhamos ainda a quadra, e nossas aulas de educação física, do Professor José Carlos, eram dadas no campo do Elite. Ele dava uma bola para jogarmos e aparecia no fim da tarde para pegá-la. No final da aula, nós mergulhávamos no rio Leard, na trave de baixo do campo.
E as meninas? Naquele primeiro ano, elas eram umas chatas que viviam apaixonadas por alguns professores e por meninos mais velhos do quarto ano.
Passaram-se os primeiros anos e um novo mundo nos fora apresentado - se bem que por uma luneta distorcida pelo crivo do militarismo, que havia tomado conta do Brasil. Nós fomos a geração desinformada politicamente e, provavelmente, o que vivemos hoje, com os desmandos de nossos governantes, é puro reflexo da falta de cultura política.
Tem algo novo acontecendo, não é metamorfose; porém, as meninas estão ficando diferentes: pernas mais grossas e com desenho insinuante, seios imponentes e bem guardados. Que estilingue que nada! Tem coisa mais interessante neste mundão de Deus.
Quanta paquera, quanto namorico, quanto amor platônico que, naquele tempo, era uma forma deliciosa de sofrer. A formatura, final de um grande início. O Baile, a orquestra, os penteados das meninas e as gravatas dos garotos, os padrinhos e madrinhas, momento marcado para sempre em minhas lembranças.
O prédio novo, orgulho do Seu Luiz, que agora não mais cuspia, mas sim babava de orgulho com sua nova escola, Colégio Estadual Professora Emília de Paiva Meira. Tudo novo, prédio, carteiras, quadra, professores. Bonjorno, Calmom, Fonseca, Leocádio e tantos outros.
A turma foi dividida, pois alguns tiveram que trabalhar e passaram a estudar durante a noite, que foi o meu caso. O colegial foi duro. Alguns experimentaram a perda de um ano, outros desistiram, outros mudaram para escolas particulares.
Agora curtíamos muito uns aos outros, e as turminhas foram se formando para os bailinhos com vitrola portátil e disco de vinil. Que delícia! Essa, provavelmente, foi uma das mais belas fases de nossas vidas.
No último ano de colégio, a escola já apresentava os primeiros sinais de deterioração do estudo público, que hoje é uma realidade.
Ali, ao término do colegial, uma nova fase brotava na vida de cada um. Foi o fim de um grupo, de uma geração de sonhadores, e o início de vidas, que caminharam por estradas totalmente diferentes, e que levaram cada um de nós a destinos pessoais.
Tivemos a anistia, elegemos um presidente, depusemos outro, fomos pentacampeões mundiais de futebol.
Muitos de nós perdemos os avós, os pais, irmãos. Casamos, tivemos filhos e, alguns felizardos, até netos. O reencontro certamente veio ocupar um vazio que havia formado em nossas vidas, mas que estava ali, martelando o tempo todo. Onde eles estão? Como foi a vida deles? Sentimos falta uns dos outros, de falar não apenas sobre nossas vidas atuais, mas, principalmente, recordar os momentos de felicidade que curtimos juntos. Poder relembrar coisas que somente são possíveis de serem relembradas entre nós.
O túnel do tempo. Foi esta a minha sensação ao ver aqueles senhores carecas e barrigudos, que se diziam serem fulano ou beltrano. Ver as meninas, estas sim continuam sendo meninas, e serão nossas eternas meninas. Alguns segundos após o reencontro e as reapresentações, eu já não via mais a imagem atual de nossos colegas, e sim a imagem que trazia na lembrança deles jovens, nos anos 60.
Recordar é viver, e hoje eu sonhei com vocês."
Certeza de passar na admissão ao Ginásio Estadual Professora Emília de Paiva Meira se tinha, somente, se fizesse o cursinho de admissão da Dona Anita, ou da Dona Maria Japonesa. Aquilo tudo era muito diferente para nós, muito diferente de nossas experiências no Grupo Escolar que, para muitos, foi o Alvarez de Azevedo.
O primeiro dia de aula. Em que classe vou ficar? Será que meus amigos estarão na mesma classe? E agora, o professor, não mais um serão vários. Como serão eles? Reinaldo, Jacob, Mercedes, Benedito, Américo, Orlando, Iolanda, Maria Emília, Miriam, Valquíria e o diretor cara de bravo! Falava cuspindo, esbravejava e adorava fazer um discurso. Seu Luiz Perroni, um abnegado pelo Emília e por nós.
O professor de francês – sim, tínhamos francês –, Sr. Zezinho, o Lê Petit. Como poderia me esquecer do Sr. Mário, o ajudante geral, a orientadora, Dona Ana, e tantos outros. Um universo novo e imenso estava se abrindo para nós.
Fiquei na 1ª. G, inimiga número um da 1ª. H nas disputas de debate de geografia; porém, perdíamos todas no futebol. Nossa classe era de alvenaria e ficava bem defronte à lanchonete. A 1ª. F e outras eram nas classes de madeira.
Classes de madeira com buraco no assoalho, por onde os meninos ficavam no intervalo, olhando as pernas das meninas e de algumas professoras. Naquela época, nós, meninos, ainda não pensávamos tanto nas meninas, e estávamos sempre mais preocupados em aprontar alguma ou jogar campeonato de tampinha na quadra. Lembro-me da tijolada que o Montório (Balarmino) deu na cabeça do Orlando Valone, ali na entrada da escola, onde havia os tanques e o poço. O Valone ficou com o pescoço torto até hoje.
No primeiro ano, não tínhamos ainda a quadra, e nossas aulas de educação física, do Professor José Carlos, eram dadas no campo do Elite. Ele dava uma bola para jogarmos e aparecia no fim da tarde para pegá-la. No final da aula, nós mergulhávamos no rio Leard, na trave de baixo do campo.
E as meninas? Naquele primeiro ano, elas eram umas chatas que viviam apaixonadas por alguns professores e por meninos mais velhos do quarto ano.
Passaram-se os primeiros anos e um novo mundo nos fora apresentado - se bem que por uma luneta distorcida pelo crivo do militarismo, que havia tomado conta do Brasil. Nós fomos a geração desinformada politicamente e, provavelmente, o que vivemos hoje, com os desmandos de nossos governantes, é puro reflexo da falta de cultura política.
Tem algo novo acontecendo, não é metamorfose; porém, as meninas estão ficando diferentes: pernas mais grossas e com desenho insinuante, seios imponentes e bem guardados. Que estilingue que nada! Tem coisa mais interessante neste mundão de Deus.
Quanta paquera, quanto namorico, quanto amor platônico que, naquele tempo, era uma forma deliciosa de sofrer. A formatura, final de um grande início. O Baile, a orquestra, os penteados das meninas e as gravatas dos garotos, os padrinhos e madrinhas, momento marcado para sempre em minhas lembranças.
O prédio novo, orgulho do Seu Luiz, que agora não mais cuspia, mas sim babava de orgulho com sua nova escola, Colégio Estadual Professora Emília de Paiva Meira. Tudo novo, prédio, carteiras, quadra, professores. Bonjorno, Calmom, Fonseca, Leocádio e tantos outros.
A turma foi dividida, pois alguns tiveram que trabalhar e passaram a estudar durante a noite, que foi o meu caso. O colegial foi duro. Alguns experimentaram a perda de um ano, outros desistiram, outros mudaram para escolas particulares.
Agora curtíamos muito uns aos outros, e as turminhas foram se formando para os bailinhos com vitrola portátil e disco de vinil. Que delícia! Essa, provavelmente, foi uma das mais belas fases de nossas vidas.
No último ano de colégio, a escola já apresentava os primeiros sinais de deterioração do estudo público, que hoje é uma realidade.
Ali, ao término do colegial, uma nova fase brotava na vida de cada um. Foi o fim de um grupo, de uma geração de sonhadores, e o início de vidas, que caminharam por estradas totalmente diferentes, e que levaram cada um de nós a destinos pessoais.
Tivemos a anistia, elegemos um presidente, depusemos outro, fomos pentacampeões mundiais de futebol.
Muitos de nós perdemos os avós, os pais, irmãos. Casamos, tivemos filhos e, alguns felizardos, até netos. O reencontro certamente veio ocupar um vazio que havia formado em nossas vidas, mas que estava ali, martelando o tempo todo. Onde eles estão? Como foi a vida deles? Sentimos falta uns dos outros, de falar não apenas sobre nossas vidas atuais, mas, principalmente, recordar os momentos de felicidade que curtimos juntos. Poder relembrar coisas que somente são possíveis de serem relembradas entre nós.
O túnel do tempo. Foi esta a minha sensação ao ver aqueles senhores carecas e barrigudos, que se diziam serem fulano ou beltrano. Ver as meninas, estas sim continuam sendo meninas, e serão nossas eternas meninas. Alguns segundos após o reencontro e as reapresentações, eu já não via mais a imagem atual de nossos colegas, e sim a imagem que trazia na lembrança deles jovens, nos anos 60.
Recordar é viver, e hoje eu sonhei com vocês."
Por Marcos Falcon
domingo, 11 de março de 2012
Oieeeeeeee
Olá, queridos amigos!
Que saudade!
Tenho viajado bastante, a trabalho, longe de casa e tomando todo o
tempo. Por isso, estou em dívida com as postagens. Tenho muitos textos dos amados autores e autoras, graças a
Deus. Porém, meu tempo é que está curto e peço, humildemente, que me
perdoem a ausência.
Abaixo, entrego-lhes dois excelentes textos e prometo que postarei mais regularmente, dois textos de
cada vez, tentando colocar em dia os textos que me enviam, pelos quais sou
imensamente agradecida.
Desejo que todos vocês estejam bem, gozando de plena saúde junto aos
seus familiares e que continuem aqui, neste espaço querido, lendo as incríveis histórias sobre Sampa.
Muito obrigada pela compreensão. Conto com todos vocês, diletos amigos.
Muita paz! BeijosssAUDADEsssssss!
Por Memórias de Sampa (Sonia Astrauskas)
Intensa magia (1962)
(Em memória dos meus pais.)
“Ah! L’amore, l’amore! Quanta cosa ci fà fare l’amore...
Quanta cosa ci fà dire l’amore!
Quante frasi dette al vento...” (*)
A casa vibrava com a fala alta de papai, presa de mais um ataque de
ciúme. Mais uma vez o “nosso Otello” apaixonado vociferava, transpirando amor,
insegurança e medos vazios. Coisa de homem possessivo...
Papai discutia feio com mamãe: “Com este vestido você não vai! Olha só o
tamanho desse decote! Sem mas e sem menos mas, com este vestido você não vai!”
Vovó, tentando apaziguar, diz ao meu pai: “Deixa disso! É um decote
perfeito. Além do mais, a Annamaria tem as costas lindas!”
Pronto! Vovó tocara em um ponto nevrálgico. Em vez de apaziguar, ela só
fez aumentar a ciumeira e o vozeirão do meu pai.
Vovó: ”Deixa de ser irracional, Giovanni”! Ao que ele respondeu: “Diga a
senhora o que disser, com esse vestido ela não vai”!...
Mamãe frustrada, sem dizer palavra foi se refugiar no seu quarto. Papai
enfurecido saiu para a rua, batendo a porta.
O meu avô, que até aquele momento não havia dito nada, voltou-se para a
minha avó e disse: “Giovan’ não tem jeito! Em relação a Annamarì, ele é “fuoco,
amore, passione e gelosia”!
Pensei: “Meu “babbo” é fogo, amor, paixão e ciúme?! O que isso
significa”?... Olhei para o meu irmão e lhe disse baixinho: “Acho que podemos
dizer adeus ao baile de formatura do nosso primo”...
Quase cinco horas da tarde, meu pai (Com o rabo entre as pernas, como
dizia a minha avó.) voltou da rua trazendo na mão um pequeno buquê de violetas.
Entrou e foi direto para o quarto, onde mamãe estava. Ficaram lá, trancados,
por um bom tempo... Vovô, com um sorriso nos lábios, deu-me um tapinha nas
costas e disse: “Vocês irão ao baile de formatura”!...
Nove e meia da noite! Eu, irmão e meus primos adolescentes estávamos
enlouquecidos dentro do salão do Clube Pinheiros. O baile de formatura do meu
primo seria o primeiro de tantos outros e, também, o nosso primeiro baile que
ia das dez da noite às quatro da manhã!
Dez horas, a orquestra deu inicio à Valsa dos formandos e à primeira
seleção de músicas. Primos, primas e eu nos deliciamos com os rocks, as
baladas, os swings e os cha-cha-cha. A segunda seleção foi de samba, a terceira
foi intercalada por boleros, tangos e sambas-canção...
Depois da seleção de samba, eu fui sentar-me junto à mesa dos meus pais.
Dali, eu via os pares em movimento pelo salão e tentava memorizar os passos de
dança e a coreografia que faziam. De repente, em meio a eles, vi o meus pais.
Dançavam colados, de corpo e de rosto. Rostos que se separavam e ofereciam um
ao outro um sorriso enigmático. Eu estava encantado, como se visse uma miragem.
Como se eu os visse pela primeira vez. Quem eram aqueles estranhos que eu
chamava de pai e de mãe?... A pausa da orquestra cortou o encantamento.
Meus pais voltaram à mesa. Papai olhou para mim e perguntou sorrindo:
“Stanco”? (Cansado?) Eu respondi: “Oltre che stanco! Morto”! (Mais que cansado!
Morto!) E eu continuei olhando para os dois, como se eles me fossem
estranhos...
Finda a pausa, a orquestra nos ofereceu uma seleção de músicas
brasileiras, cantadas pelo “crooner”. Rápidos, babbo e mamma se levantaram e
foram para a pista. Eu, hipnotizado, seguia os dois em cada movimento.
Eu vigiava... Lá estava a minha mãe, no seu vestido longo e negro,
bordado com lágrimas de cristal. Decote profundo nas costas e o decote
exuberante na frente, guardando e revelando o segredo de que aqueles seios
ainda firmes de uma mulher de 38 anos eram escondidos apenas pelo negrume do
tecido... Lá estava meu pai, “sexy”, no seu “smoking”. Elegantíssimo no traje e
na postura, levando a minha mãe pelo salão em coreografia leve e harmônica;
seus olhos brilhavam de um modo estranho, seu corpo colava-se ao da minha mãe,
seus rostos unidos roçavam-se em carícias...E os beijos demorados na boca... Eu
fui entrando em uma nebulosa desconhecida que oferecia à minha mente, os
primeiros rudimentos de paixão, sensualidade e de eroticidade. Pura magia!
Então é isso que é o Amor?...
Lembrei da frase do meu avô. E vovô tinha razão, naquele momento eu
testemunhava tudo o ele que dissera, não somente em meu pai, mas também na
minha mãe. Via a muita ternura entre os dois... Uma música do “crooner”, que
até hoje não esqueci, definiu muito bem o ciúme que meu pai sentia por mamãe:
“Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim Mulher.
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim Mulher.
Não sei,
Teus olhos castanhos,
Profundos, estranhos
Que mistérios ocultarão Mulher.
Não sei dizer.
Mulher,
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
Profundos, estranhos
Que mistérios ocultarão Mulher.
Não sei dizer.
Mulher,
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico
a implorar.
O teu amor tem um
gosto amargo . . .
Eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor,
Por teu amor... Mulher”
Eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor,
Por teu amor... Mulher”
E os olhos castanhos
de minha mãe estavam perdidos nos olhos do meu pai...
Vendo os dois tão bonitos e unidos, ali na pista de dança, eu entendi o
porquê da minha mãe suportar-lhe todo aquele ciúme de Otello. Ela era também fogo,
paixão, amor e ciúmes. Os dois sempre “dentro un fuoco che bruscia e che mai
sarà spento” (dentro de um fogo que queima e que jamais será extinto.). Continuei
olhando para aqueles estranhos que ora desapareciam, ora apareciam entre os
pares, meu pai e mãe que, absurdo, não o eram mais. Não mais “babbo” e “mamma”,
nem mesmo marido e mulher. Ali estavam, agora, dois amantes, homem e mulher,
corpo e alma, transformados em unidade.
Os metais sussurraram calidamente “Moolight
Serenade” nos ouvidos de cada par que deslizava pelo salão agora envolto por
suave penumbra. Meus amados estranhos se entregaram definitivamente um ao
outro... Como fossem Fred Astaire e Ginger Rodgers dançando em um cenário de
sonho...
Parece-me que isso aconteceu há muito tempo... Ou
foi ontem? Foi hoje?... Foi desde sempre! Agora e toda vez que eu, o adulto
olho/olhando o passado pelos olhos do adolescente que fui, vivo/revivo aquele
baile de formatura em que, envolvido pela mesma intensa magia fico/fiquei a
olhar os meus amados estranhos a deslizar pelo salão entregues um ao outro,
olhando-se nos olhos com olhares que prometiam findo o baile, inenarráveis
carícias de alcova... Segredos entre quatro paredes...
Ah! Meus amados estranhos que me foram pai e mãe.
Depois daquele baile, eu realmente os conheci! Não mais estranhos.
Foi, é e será sempre, uma honra tê-los conhecido!
(*) “Ah! O amor! O amor! Quanta coisa nos faz fazer
o amor!
Quanta coisa nos faz dizer o amor.
Quantas frases ditas ao vento!”...
Saudade...
Por Wilson Natale
De repente 60
imagesn extraídas da internet
Assim escreve
Regina de Castro Pompeu, premiada na primeira edição dos Prêmios Longevidade –
Histórias de Vida, com os troféus entregues por Nicete Bruno, presidente de
horna do júri. Premiação que aconteceu em 4 de outubro durante o VI Fórum da
Longevidade, evento da Bradesco Seguros.
De forma
despretensiosa, inscrevi um texto no concurso Prêmios Longevidade Bradesco
Histórias de Vida.
Estou
chegando de São Paulo, onde fui participar da premiação.
Mandaram
um motorista me buscar e me trazer e fiquei num super-hotel nos Jardins,
acompanhada de meu príncipe consorte... rss.
Entre
quase 200 concorrentes, conquistei o 3o lugar, com direito a troféu e diploma.
Mas,
sinto como se tivesse recebido o Oscar, pois os primeiros colocados foram jovens
que trabalharam por alguns anos para escrever histórias que mereciam ser
contadas.
Meu texto
foi o único produzido pela própria protagonista.
O tema
central era o relacionamento intergeracional.
Quase caí
da cadeira quando Nicete Bruno, jurada especial me perguntou: "Você é a
Regina? Queria muito conhecê-la. Adorei seu texto!"
Tive,
ainda, o privilégio de ser fotografada ao lado da convidada especial, Shirley
MacLaine.
É muita
emoção, que gostaria de compartilhar com vocês.
Abaixo, o
texto premiado.
Beijos
Regina
DE REPENTE 60 (ou
2x30)
Ao
completar sessenta anos, lembrei do filme “De repente 30”, em que a
adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta,
formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu
nesse intervalo. Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
Pergunto
a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
Ainda sou
aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola, aquela filha
desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela professorinha ingênua
que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem sonhadora que entrou na igreja,
vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco!Ainda sou aquela mãe
aflita com a primeira febre do filho que hoje tem mais de trinta anos.
Acho que é por isso
que engordei, para caber tanta gente é preciso espaço!
Passei batido pela tal crise dos
trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta foram festejados com um
baile, enquanto eu ansiava pela aposentadoria na carreira do magistério, que
aconteceu quatro anos depois.
Os cinquenta me encontraram construindo
uma nova vida, numa nova cidade, num novo posto de trabalho.
Agora,
aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade
e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as manhãs.
Tive o
privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações em todas as
áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson, de Beatles e Rolling
Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana Carolina; dos anos de
chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas e empeachment do
presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção da
pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS. Testemunhei
a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e alguns vexames
históricos).
Nasci no
ano em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só conseguiu comprar
um aparelho usado dez anos depois e, por meio de suas transmissões,vi a chegada
do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas.
Passei
por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem do
computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que conheci, aos
cinquenta e dois anos, meu companheiro, com quem tenho, desde então,
compartilhado as aventuras do viver.
Não me
sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos,
faço minhas caminhadas matinais com meu cachorro Kaká, pratico ioga, me alimento
e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao banheiro), gosto de
cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer.
Por dois
anos não exerci qualquer atividade profissional, mas voltei a orientar
trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em turmas de
pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos, que têm se
beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito mais que
ensinado.
Só agora
comecei a precisar de óculos para perto (para longe eu uso há muitos anos) e
não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos que nem se percebe
(privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar grisalho após os
setenta anos).
Há marcas
do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas também cicatrizes,
testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me traz recordações do
aniversário de nove anos passado no hospital; a da cesárea marca minha
iniciação como mãe e a mais recente, do câncer de mama (felizmente curado), me
lembra diariamente que a vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que
não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao
mesmo tempo diminuiu, lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta
anos e esqueço as panelas no fogo.
Aliás, a
memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro
determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de
esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e
nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou o interlocutor já se
foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando
mesmo?
Ah, sim,
dos meus sessenta.
Claro que
existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa
prerrogativa, talvez porque não são considerados pessoas inteiras), atendimento
prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos reservados do
metrô e a TPM passou a significar “Tranquilidade Pós-Menopausa”.
Certamente o saldo é positivo, com
muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o
presente intensamente, em minha nova condição de mulher muito sex...agenária!
Por
Regina de Castro Pompeu
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