terça-feira, 27 de março de 2012

Parabéns, Zeca!

Por fim acabei aceitando (meditação na semana santa)

Por fim acabei aceitando,
Que meu corpo, não é imortal.
que ninguém, nesse mundo é o tal.
Todo mundo envelhecerá
E por mais que alguém sempre tente,
ninguém ficará pra semente.
Por fim acabei aceitando,
que se ainda estou vivo no mundo,
É para tentar dar um pouco de mim.
ser alguém para o meu semelhante
caminhar e seguir sempre avante,
e um dia por certo partir.
Por fim acabei aceitando
que meus pais e irmãos não durariam para sempre.
que meus filhos todo dia um pouco,
caminhariam sem precisar de mim.
Que eles não eram como antes eu supunha,
propriedade exclusiva só minha.
E que a liberdade e livre escolha
era um direito deles também.
Por fim acabei aceitando
Que todos meus bens e meus dons
foram a mim confiados e concedidos
apenas por empréstimo.
E que nesse mundo eu sou apenas
um simples caseiro.
Cuidando da propriedade do nosso
Proprietário e Senhor.
Por fim acabei aceitando.
que um dia deixarei esse mundo,
sem nada do que eu juntei
que meus bens, e todos meus tesouros
partilhados seriam um dia
por outros que no futuro estarão por aqui.
Por fim acabei aceitando,
que meu apego aos bens materiais
só dificultariam um dia ainda mais,
a minha despedida, e a minha viagem de volta.
Por fim acabei aceitando, que meu carro,
minha conta bancaria,
A minha casa na praia.
Nada disso realmente jamais foi propriedade minha,
estava tudo consignado.
Não foi fácil ! Mas eu aceitei.
Tive que aceitar até que eu nunca sou nada.
e que o mundo continuaria sua longa caminhada
sem precisar mais de mim.
Virei um campo de Lutas
e no meio das escaramuças
eu de repente parei.
Parei, quando notei,
o meu orgulho ferido,
a prepotência abalada
a minha aparência mudada,
pelos muitos anos vividos
Então matei minha arrogância.
a minha enorme ganância
me enchi de enorme esperança.
e procurei encontrar só a Paz.
Pois se não é muito fácil mudar.
mais difícil ainda é, aceitar.
Para meditação durante a semana santa.
Por Arthur Miranda (tutu)

Memórias desagradáveis


Pois é, nem tudo na vida são flores, nem tudo é alegria. Às vezes um acontecimento desagradável também fica registrado em nossa memória e nunca mais é esquecido.
Um dos momentos desagradáveis da minha existência estava efetivamente embotado nos recônditos de minhas lembranças e, nesta semana, acometido de duas violentas e dolorosas prisões de ventre, eu lembrei-me do ocorrido que agora passo a narrar.
Ano de 1950, eu morava na Rua Augusta, 291 e como soe acontecer nos imóveis daquela época, minha casa possuía um quintal exatamente do mesmo tamanho da área construída.
Esse quintal era o meu grande reino. Ali eu brincava e realizava todos os meus sonhos infantis. Nele, além do tanque de lavar roupas, tínhamos um pé de goiabas vermelhas que ficava, anualmente, carregadinho dessas frutas maravilhosas. Tínhamos também uma ameixeira de frutos saborosíssimos.
No fundo, antes do galinheiro que guardava algumas galinhas poedeiras e um galo vermelho arisco e imponente, tínhamos um canteiro de hortênsias azuladas, minhas flores prediletas.
Acontece que eu, moleque como sempre, adorava comer as goiabinhas antes que elas madurassem por completo.
Quem me inibia de comê-las em demasia era minha Tia Neide, que me chamando de moleque glutão não me dava muita folga para trepar na goiabeira e me fartar com as frutas.
Um belo dia -sempre tem um belo dia-  saem às compras minha mãe e minha tia. Eu, pequeno grande-chefe tomei posse da situação. Fui para o quintal e senti minhas glândulas salivares totalmente aguçadas. Corri para minha amiga goiabeira, fiz a inspeção de praxe para verificar se não estava, também, carregadas das nada amistosas taturanas que eu tanto temia.
Certificada a inexistência daquelas largatas-de-fogo subi na goiabeira e me fartei de goiabinhas quase maduras. Na verdade, quase comi todas, porem um barulho estranho me colocou em alerta e eu desci do pé de goiabas bem no momento em que minha mãe e minha tia surgiam na porta da cozinha procurando pelo “anjinho”.
Fiz-me presente e elas se aquietaram vendo que estava tudo na mais perfeita ordem.
Dois dias depois dessa aventura, coitadas das minhas velhinhas, passaram a noite em claro, desesperadas, tentando acalmar este que lhes narra a história, acometido de violentas cólicas abdominais.
-Será apendicite? -Meu Deus tomara que não supore. -Será que são vermes? -Pode ser uma solitária gigante. -Tome mais um chazinho meu querido, tome tudo que essa dor vai passar.
E a dor não passava. Já lá se iam 24 horas de queixas e choros e nada da dor ter fim.
-Vamos pedir para o “seu Flavio” (velho boticário e amigo de antigamente, tão ou mais competente que um doutor) vir dar uma olhadinha.
Sugestão feita e devidamente aceita.
Depois de alguns tormentosos minutos, eis que chega o “seu Flavio”. Olha meu estado, aperta minha barriga, e faz a pergunta fatal:
Meu filho, o que você come?
-Nada, disse eu. Nem ontem ou anteontem?
Com a voz meio engasgada declarei como réu confesso: - Comi umas goiabinhas.
Levanta-se o velho farmacêutico, vira-se para minha mãe e diz: Ele está entalado, prepara uma jarra de água fervida que eu vou até a farmácia buscar uns apetrechos e vamos lhe aplicar um “clister”.
Meio apavorado com o diagnostico, fiquei na expectativa para ver o que iria acontecer.
Volta seu Flavio com uma caneca alta, totalmente esmaltada de branco, dela saia como se fora um rabicho, um pedado de mangueira vermelha e fininha endo na ponta um tipo de torneirinha preta.
Pega a leiteira d’agua que minha mãe lhe oferece, enche o canecão, esgota dentro dele o conteúdo de um vidrinho, manda que eu arreie as calças e levante as pernas. Com muito medo obedeço as ordens e ele, sem qualquer piedade aproxima aquela torneirinha do meu frágil anus enterra-a e abre a torneirinha.
Sinto-me invadido por um rio de água morna. Ponho-me a chorar e poucos minutos depois seu Flavio retira aquele instrumento torturador das minhas entranhas.
Agora, nem o alivio da retirada do instrumento me acalenta pois num acesso incontrolável solto uma torrente de fezes recheadas de caroços de goiaba.
Lição aprendida, nunca mais me arvorei a comer tantas goiabas.
Esta semana, com meus acessos de prisão de ventre, lembrei-me do seu Flavio e, confesso, rezei para que na me fosse aplicado, de novo, aquele tratamento.
Graças a Deus não foi preciso.
Que  desagradável memória!
Por Miguel Chammas

sábado, 17 de março de 2012

Mais dois textos

Olá, amigos!

Seguem mais dois excelentes textos.

Muita paz!

A moto do Maurício


Ao ler o belíssimo texto do nosso colega e colaborador do site, Anthony Mennitto, sobre o desrespeito do poder constituído durante os anos da revolução militar, lembrei-me de um fato ocorrido nessa mesma época, décadas de 70\80,
Meu filho Maurício, que trabalhou no Itaú, nesse período, com pouco mais de 20 anos, instalava os primeiros terminais eletrônicos na periferia e nas agências. Pra se locomover melhor e com mais rapidez, comprou o transporte do sonho, (dele e pesadelo meu), uma moto de cilindradas conforme a “grana” permitia. Com o tanquinho cheio, era moto de1. 500 c.c., se ela (a moto) não tinha tanto, o Maurício dava um jeito. Era um azougue, no fluxo e na contramão e nós, com terço na mão. Levou alguns tombos, sem muita gravidade, um dos quais o obrigou a uma cirurgia no ombro, até hoje com sequela.
Uma ocasião, num sábado, deixando a moto na porta de casa, depois do almoço, descobriu que ela tinha desaparecido. Levaram a moto embora. (só não pulamos, de alegria, eu e a Myrtes, porque sempre tivemos respeito com nossos filhos). Não perdeu tempo, precisava dela na segunda-feira pra trabalhar. Foi até a delegacia da Vila Sonia, 93ª Delegacia, naquela época na própria Vila Sonia, hoje na Av. Escola Politécnica. Registrou a queixa, deixou as especificações da máquina e voltou pra casa. Disse a ele que se não encontrassem a moto (o que eu achava muito provável), poderia ir trabalhar com o carro da mãe. Não esperou muito, antes do fim do dia, recebe um telefonema, da Delegacia. Conseguiram detectar um garoto com a moto. – Pô, isto é que é sorte, - gritei eu, - não chegaram nem a esquentar o assento da moto. – Por que o Sr. está triste? (ele sabia da nossa antipatia pela moto) – Claro que não, Mau, só que não vou com você na delegacia, não acho necessário. – Pode deixar, pai, vou com o Paulo (amigo de infância, até hoje); ele me leva até lá. - Depois me lembrei que ele precisava de alguém que o levasse até a delegacia.
Foi e ficamos aguardando sua volta, naturalmente, com a moto. Só que já era quase noite e eles não tinham voltado. Telefonei pra casa do Paulo, ele atendeu e não sabia como explicar por que o Maurício ficou retido na delegacia.
– Oh, seu Modesto, deve ter sido problemas com documentação... Daqui a pouco ele vai estar em casa. –
– Não me agradou a resposta do Paulo; achei que havia alguma coisa errada, falei com a Myrtes que ia até a delegacia.
– Antes, telefonei pro Pascoal, filho de antigo companheiro nosso, no Braz, delegado, lotado na delegacia da Brigadeiro Tobias (naquela época, hein). Chegando à delegacia, olhei no pátio e vi a moto encostada, num canto. Apresentei-me, o delegado de plantão estava lá, me atendeu e perguntei onde estava meu filho. - Seu filho, o Maurício...? – Sim – respondi – o... Sr é o pai dele?  Não, respondi, eu é que sou o filho dele... Vamos deixar de lorota, meu amigo, meu filho veio aqui, respondendo a um chamado de que a moto foi encontrada e ele veio pra retirar... Agora estou vendo a moto no pátio, que fim levou meu filho, pó?
- Seu filho está detido, por ordem do delegado titular... – Neste momento, meu sangue começou a ferver... – Mas, qual foi a razão da detenção? – comecei a gritar –
- Calma Sr. Laruccia, o Dr. (não lembro o nome do velhaco, vai este no lugar): - Cordinólio está pra chegar, vai explicar tudo pro Sr,
- Ele chegou logo, com um sorriso largo na face, retrato vivo da hipocrisia em altíssimo grau e as mãos estendidas, querendo apertar a minha. Não estendi, queria saber do meu filho, era só o que me interessava.
- Sr. Laruccia, nós, com encargos espinhosos, tentamos manter a ordem, mas, às vezes cometemos exageros, seu filho só foi detido, mas, nada de violência foi cometida.
- Mas, por que, pô, insisto, quero saber, por que? Como prender alguém que, pacificamente, veio retirar seu bem, atendendo um chamado vosso?
- Se o Sr. deixar, eu explico... - Fiquei em silêncio, com uma bruta de uma raiva, na expectativa do Dr. Cordinólio se abrir.
- Ocorreu o seguinte: Detectamos um garoto, na praça do relógio, ai no Jaguaré, com uma moto, tentando fazer o motor “pegar”. Meus homens, com a queixa registrada, detiveram o menor, mas, por causa da idade, não puderam prendê-lo.
- O garoto contou uma história pra se livrar do flagrante. Disse que conhecia o dono da moto e que ele havia lhe emprestado pra dar umas voltas por aí, no Jaguaré. Chegando seu filho, perguntei se ele conhecia o garoto. Seu filho negou, queria ver o garoto, expliquei-lhe que não podia detê-lo. Depois, perguntei a ele, quem me garante que você não emprestou mesmo a moto para o garoto e inventou essa história de roubo, pra fugir da sua implicância no caso?
- Enfureceu-se, começou a gritar, xingando todo mundo; acalmei-o e mandei-o esperar no “banheiro”. Traga o Maurício, Geraldão, chamando um dos policiais fardados – devolva a moto dele.
- Maurício apareceu, seu rosto lívido, branco, assustado, como se tivesse visto um espetáculo de horror.
- Não me contive, com os punhos fechados, perguntei a esse Dr. Cordinólio, o que vocês fizeram com meu filho, seus...?
- Nisso, o Maurício me segurou, impediu que eu fizesse qualquer coisa.
- Mais tarde fiquei sabendo pelo Paulo o que eles, realmente, tinham feito que não quiseram me contar nada, na hora, pra não cometer nenhum desatino.
- O salafrário do delegado, logo que viu o Maurício, foi dizendo que ele voltasse só na segunda-feira porque ele já estava de saída. O Maurício reclamou, dizendo que precisava da moto pra trabalhar na segunda-feira. – Ela está no pátio, eu vi, vocês me chamaram, eu... –
- Olha aqui, garoto, vá embora senão te ponho atrás das grades... Pare de gritar senão...
Se não o que? Quero minha moto de volta...
O Mauricio nunca me contou tudo, não estava habituado enfrentar estas situações naqueles tempos de perversidade gratuita, levou uma surra daquelas, safanões e rasteiras como se fosse um marginal qualquer. (fiquei sabendo disso só depois, pelo Paulo, que levou uma tremenda bronca minha por não ter me contado tudo) não podia falar nada. Com a oportuna intervenção do Pascoal, que tinha um cargo superior ao do famigerado Dr. Cordinólio, liberando o Maurício. Soube depois, pelo próprio Pascoal que o “distinto” delegado, sofreu muito nas mãos dos superiores. Vocês acreditam? Eu, não. A arrogância, desprezo e brutalidade devem ter causado muitas mortes de inocentes. Lembram-se do Wlademir Herzogue? Nunca vou esquecer tamanha covardia, brutalidade animalesca, nem na idade média se registrou tamanha selvageria.
Por Modesto Laruccia

Minha escola

Um bando de crianças, meninos e meninas. Eles ainda de estilingue e bolinhas nos bolsos, e elas sem saber com quem deixar as bonecas. A meta era entrar na escola estadual, sinônimo de qualidade e garantia de um bom estudo, sem falar que a custo zero. Para aqueles que não conseguissem êxito, restava o desconforto de ir para uma escola particular. (Bons tempos aqueles).
Certeza de passar na admissão ao Ginásio Estadual Professora Emília de Paiva Meira se tinha, somente, se fizesse o cursinho de admissão da Dona Anita, ou da Dona Maria Japonesa. Aquilo tudo era muito diferente para nós, muito diferente de nossas experiências no Grupo Escolar que, para muitos, foi o Alvarez de Azevedo.
O primeiro dia de aula. Em que classe vou ficar? Será que meus amigos estarão na mesma classe? E agora, o professor, não mais um serão vários. Como serão eles? Reinaldo, Jacob, Mercedes, Benedito, Américo, Orlando, Iolanda, Maria Emília, Miriam, Valquíria e o diretor cara de bravo! Falava cuspindo, esbravejava e adorava fazer um discurso. Seu Luiz Perroni, um abnegado pelo Emília e por nós.
O professor de francês – sim, tínhamos francês –, Sr. Zezinho, o Lê Petit. Como poderia me esquecer do Sr. Mário, o ajudante geral, a orientadora, Dona Ana, e tantos outros. Um universo novo e imenso estava se abrindo para nós.
Fiquei na 1ª. G, inimiga número um da 1ª. H nas disputas de debate de geografia; porém, perdíamos todas no futebol. Nossa classe era de alvenaria e ficava bem defronte à lanchonete. A 1ª. F e outras eram nas classes de madeira.
Classes de madeira com buraco no assoalho, por onde os meninos ficavam no intervalo, olhando as pernas das meninas e de algumas professoras. Naquela época, nós, meninos, ainda não pensávamos tanto nas meninas, e estávamos sempre mais preocupados em aprontar alguma ou jogar campeonato de tampinha na quadra. Lembro-me da tijolada que o Montório (Balarmino) deu na cabeça do Orlando Valone, ali na entrada da escola, onde havia os tanques e o poço. O Valone ficou com o pescoço torto até hoje.
No primeiro ano, não tínhamos ainda a quadra, e nossas aulas de educação física, do Professor José Carlos, eram dadas no campo do Elite. Ele dava uma bola para jogarmos e aparecia no fim da tarde para pegá-la. No final da aula, nós mergulhávamos no rio Leard, na trave de baixo do campo.
E as meninas? Naquele primeiro ano, elas eram umas chatas que viviam apaixonadas por alguns professores e por meninos mais velhos do quarto ano.
Passaram-se os primeiros anos e um novo mundo nos fora apresentado - se bem que por uma luneta distorcida pelo crivo do militarismo, que havia tomado conta do Brasil. Nós fomos a geração desinformada politicamente e, provavelmente, o que vivemos hoje, com os desmandos de nossos governantes, é puro reflexo da falta de cultura política.
Tem algo novo acontecendo, não é metamorfose; porém, as meninas estão ficando diferentes: pernas mais grossas e com desenho insinuante, seios imponentes e bem guardados. Que estilingue que nada! Tem coisa mais interessante neste mundão de Deus.
Quanta paquera, quanto namorico, quanto amor platônico que, naquele tempo, era uma forma deliciosa de sofrer. A formatura, final de um grande início. O Baile, a orquestra, os penteados das meninas e as gravatas dos garotos, os padrinhos e madrinhas, momento marcado para sempre em minhas lembranças.
O prédio novo, orgulho do Seu Luiz, que agora não mais cuspia, mas sim babava de orgulho com sua nova escola, Colégio Estadual Professora Emília de Paiva Meira. Tudo novo, prédio, carteiras, quadra, professores. Bonjorno, Calmom, Fonseca, Leocádio e tantos outros.
A turma foi dividida, pois alguns tiveram que trabalhar e passaram a estudar durante a noite, que foi o meu caso. O colegial foi duro. Alguns experimentaram a perda de um ano, outros desistiram, outros mudaram para escolas particulares.
Agora curtíamos muito uns aos outros, e as turminhas foram se formando para os bailinhos com vitrola portátil e disco de vinil. Que delícia! Essa, provavelmente, foi uma das mais belas fases de nossas vidas.
No último ano de colégio, a escola já apresentava os primeiros sinais de deterioração do estudo público, que hoje é uma realidade.
Ali, ao término do colegial, uma nova fase brotava na vida de cada um. Foi o fim de um grupo, de uma geração de sonhadores, e o início de vidas, que caminharam por estradas totalmente diferentes, e que levaram cada um de nós a destinos pessoais.
Tivemos a anistia, elegemos um presidente, depusemos outro, fomos pentacampeões mundiais de futebol.
Muitos de nós perdemos os avós, os pais, irmãos. Casamos, tivemos filhos e, alguns felizardos, até netos. O reencontro certamente veio ocupar um vazio que havia formado em nossas vidas, mas que estava ali, martelando o tempo todo. Onde eles estão? Como foi a vida deles? Sentimos falta uns dos outros, de falar não apenas sobre nossas vidas atuais, mas, principalmente, recordar os momentos de felicidade que curtimos juntos. Poder relembrar coisas que somente são possíveis de serem relembradas entre nós.
O túnel do tempo. Foi esta a minha sensação ao ver aqueles senhores carecas e barrigudos, que se diziam serem fulano ou beltrano. Ver as meninas, estas sim continuam sendo meninas, e serão nossas eternas meninas. Alguns segundos após o reencontro e as reapresentações, eu já não via mais a imagem atual de nossos colegas, e sim a imagem que trazia na lembrança deles jovens, nos anos 60.
Recordar é viver, e hoje eu sonhei com vocês."

Por Marcos Falcon

domingo, 11 de março de 2012

Oieeeeeeee

Olá, queridos amigos!
Que saudade!
Tenho viajado bastante, a trabalho, longe de casa e tomando todo o tempo. Por isso, estou em dívida com as postagens. Tenho muitos textos  dos amados autores e autoras, graças a Deus.  Porém, meu tempo  é que está curto e peço, humildemente, que me perdoem a ausência.
Abaixo, entrego-lhes dois excelentes textos e prometo que  postarei mais regularmente, dois textos de cada vez, tentando colocar em dia os textos que me enviam, pelos quais sou imensamente agradecida.
Desejo que todos vocês estejam bem, gozando de plena saúde junto aos seus familiares e que continuem aqui, neste espaço querido,  lendo as incríveis histórias sobre Sampa.
Muito obrigada pela compreensão. Conto com todos vocês, diletos amigos.
Muita paz! BeijosssAUDADEsssssss!
Por Memórias de Sampa (Sonia Astrauskas)

Intensa magia (1962)

(Em memória dos meus pais.)
“Ah! L’amore, l’amore! Quanta cosa ci fà fare l’amore...
Quanta cosa ci fà dire l’amore!
Quante frasi dette al vento...” (*)
A casa vibrava com a fala alta de papai, presa de mais um ataque de ciúme. Mais uma vez o “nosso Otello” apaixonado vociferava, transpirando amor, insegurança e medos vazios. Coisa de homem possessivo...
Papai discutia feio com mamãe: “Com este vestido você não vai! Olha só o tamanho desse decote! Sem mas e sem menos mas, com este vestido você não vai!”
Vovó, tentando apaziguar, diz ao meu pai: “Deixa disso! É um decote perfeito. Além do mais, a Annamaria tem as costas lindas!”
Pronto! Vovó tocara em um ponto nevrálgico. Em vez de apaziguar, ela só fez aumentar a ciumeira e o vozeirão do meu pai.
Vovó: ”Deixa de ser irracional, Giovanni”! Ao que ele respondeu: “Diga a senhora o que disser, com esse vestido ela não vai”!...
Mamãe frustrada, sem dizer palavra foi se refugiar no seu quarto. Papai enfurecido saiu para a rua, batendo a porta.
O meu avô, que até aquele momento não havia dito nada, voltou-se para a minha avó e disse: “Giovan’ não tem jeito! Em relação a Annamarì, ele é “fuoco, amore, passione e gelosia”!
Pensei: “Meu “babbo” é fogo, amor, paixão e ciúme?! O que isso significa”?... Olhei para o meu irmão e lhe disse baixinho: “Acho que podemos dizer adeus ao baile de formatura do nosso primo”...
Quase cinco horas da tarde, meu pai (Com o rabo entre as pernas, como dizia a minha avó.) voltou da rua trazendo na mão um pequeno buquê de violetas. Entrou e foi direto para o quarto, onde mamãe estava. Ficaram lá, trancados, por um bom tempo... Vovô, com um sorriso nos lábios, deu-me um tapinha nas costas e disse: “Vocês irão ao baile de formatura”!...
Nove e meia da noite! Eu, irmão e meus primos adolescentes estávamos enlouquecidos dentro do salão do Clube Pinheiros. O baile de formatura do meu primo seria o primeiro de tantos outros e, também, o nosso primeiro baile que ia das dez da noite às quatro da manhã!
Dez horas, a orquestra deu inicio à Valsa dos formandos e à primeira seleção de músicas. Primos, primas e eu nos deliciamos com os rocks, as baladas, os swings e os cha-cha-cha. A segunda seleção foi de samba, a terceira foi intercalada por boleros, tangos e sambas-canção...
Depois da seleção de samba, eu fui sentar-me junto à mesa dos meus pais. Dali, eu via os pares em movimento pelo salão e tentava memorizar os passos de dança e a coreografia que faziam. De repente, em meio a eles, vi o meus pais. Dançavam colados, de corpo e de rosto. Rostos que se separavam e ofereciam um ao outro um sorriso enigmático. Eu estava encantado, como se visse uma miragem. Como se eu os visse pela primeira vez. Quem eram aqueles estranhos que eu chamava de pai e de mãe?... A pausa da orquestra cortou o encantamento.
Meus pais voltaram à mesa. Papai olhou para mim e perguntou sorrindo: “Stanco”? (Cansado?) Eu respondi: “Oltre che stanco! Morto”! (Mais que cansado! Morto!) E eu continuei olhando para os dois, como se eles me fossem estranhos...
Finda a pausa, a orquestra nos ofereceu uma seleção de músicas brasileiras, cantadas pelo “crooner”. Rápidos, babbo e mamma se levantaram e foram para a pista. Eu, hipnotizado, seguia os dois em cada movimento.
Eu vigiava... Lá estava a minha mãe, no seu vestido longo e negro, bordado com lágrimas de cristal. Decote profundo nas costas e o decote exuberante na frente, guardando e revelando o segredo de que aqueles seios ainda firmes de uma mulher de 38 anos eram escondidos apenas pelo negrume do tecido... Lá estava meu pai, “sexy”, no seu “smoking”. Elegantíssimo no traje e na postura, levando a minha mãe pelo salão em coreografia leve e harmônica; seus olhos brilhavam de um modo estranho, seu corpo colava-se ao da minha mãe, seus rostos unidos roçavam-se em carícias...E os beijos demorados na boca... Eu fui entrando em uma nebulosa desconhecida que oferecia à minha mente, os primeiros rudimentos de paixão, sensualidade e de eroticidade. Pura magia! Então é isso que é o Amor?...
Lembrei da frase do meu avô. E vovô tinha razão, naquele momento eu testemunhava tudo o ele que dissera, não somente em meu pai, mas também na minha mãe. Via a muita ternura entre os dois... Uma música do “crooner”, que até hoje não esqueci, definiu muito bem o ciúme que meu pai sentia por mamãe:
“Não sei
Que intensa magia
Teu corpo irradia
Que me deixa louco assim Mulher.
Não sei,       
Teus olhos castanhos,
Profundos, estranhos
Que mistérios ocultarão Mulher.
Não sei dizer.
Mulher,
Só sei que sem alma
Roubaste-me a calma
E a teus pés eu fico a implorar.
O teu amor tem um gosto amargo . . .
Eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor,
Por teu amor... Mulher”
E os olhos castanhos de minha mãe estavam perdidos nos olhos do meu pai...
Vendo os dois tão bonitos e unidos, ali na pista de dança, eu entendi o porquê da minha mãe suportar-lhe todo aquele ciúme de Otello. Ela era também fogo, paixão, amor e ciúmes. Os dois sempre “dentro un fuoco che bruscia e che mai sarà spento” (dentro de um fogo que queima e que jamais será extinto.). Continuei olhando para aqueles estranhos que ora desapareciam, ora apareciam entre os pares, meu pai e mãe que, absurdo, não o eram mais. Não mais “babbo” e “mamma”, nem mesmo marido e mulher. Ali estavam, agora, dois amantes, homem e mulher, corpo e alma, transformados em unidade.
Os metais sussurraram calidamente “Moolight Serenade” nos ouvidos de cada par que deslizava pelo salão agora envolto por suave penumbra. Meus amados estranhos se entregaram definitivamente um ao outro... Como fossem Fred Astaire e Ginger Rodgers dançando em um cenário de sonho...
Parece-me que isso aconteceu há muito tempo... Ou foi ontem? Foi hoje?... Foi desde sempre! Agora e toda vez que eu, o adulto olho/olhando o passado pelos olhos do adolescente que fui, vivo/revivo aquele baile de formatura em que, envolvido pela mesma intensa magia fico/fiquei a olhar os meus amados estranhos a deslizar pelo salão entregues um ao outro, olhando-se nos olhos com olhares que prometiam findo o baile, inenarráveis carícias de alcova... Segredos entre quatro paredes...
Ah! Meus amados estranhos que me foram pai e mãe. Depois daquele baile, eu realmente os conheci! Não mais estranhos.
Foi, é e será sempre, uma honra tê-los conhecido!
(*) “Ah! O amor! O amor! Quanta coisa nos faz fazer o amor!
Quanta coisa nos faz dizer o amor.
Quantas frases ditas ao vento!”...
Saudade...
Por Wilson Natale

De repente 60

imagesn extraídas da internet

Assim escreve Regina de Castro Pompeu, premiada na primeira edição dos Prêmios Longevidade – Histórias de Vida, com os troféus entregues por Nicete Bruno, presidente de horna do júri. Premiação que aconteceu em 4 de outubro durante o VI Fórum da Longevidade, evento da Bradesco Seguros.
De forma despretensiosa, inscrevi um texto no concurso Prêmios Longevidade Bradesco Histórias de Vida.
Estou chegando de São Paulo, onde fui participar da premiação.
Mandaram um motorista me buscar e me trazer e fiquei num super-hotel nos Jardins, acompanhada de meu príncipe consorte... rss.
Entre quase 200 concorrentes, conquistei o 3o lugar, com direito a troféu e diploma.
Mas, sinto como se tivesse recebido o Oscar, pois os primeiros colocados foram jovens que trabalharam por alguns anos para escrever histórias que mereciam ser contadas.
Meu texto foi o único produzido pela própria protagonista.
O tema central era o relacionamento intergeracional.
Quase caí da cadeira quando Nicete Bruno, jurada especial me perguntou: "Você é a Regina? Queria muito conhecê-la. Adorei seu texto!"
Tive, ainda, o privilégio de ser fotografada ao lado da convidada especial, Shirley MacLaine.
É muita emoção, que gostaria de compartilhar com vocês.
Abaixo, o texto premiado.
Beijos
Regina
DE REPENTE 60 (ou 2x30)
Ao completar sessenta anos, lembrei do filme “De repente 30”, em que a adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta, formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que aconteceu nesse intervalo. Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade.
Pergunto a mim mesma: onde foram parar todos esses anos?
Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na escola, aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela professorinha ingênua que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem sonhadora que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco!Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho que hoje tem mais de trinta anos.
Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente é preciso espaço!
Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta foram festejados com um baile, enquanto eu ansiava pela aposentadoria na carreira do magistério, que aconteceu quatro anos depois.
Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, numa nova cidade, num novo posto de trabalho.
Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu esperava ser nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho todas as manhãs.
Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas transformações em todas as áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson, de Beatles e Rolling Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana Carolina; dos anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas e empeachment do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da invenção da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS. Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e alguns vexames históricos).
Nasci no ano em que a televisão chegou ao Brasil, mas minha família só conseguiu comprar um aparelho usado dez anos depois e, por meio de suas transmissões,vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de Berlim e algumas guerras modernas.
Passei por três reformas ortográficas e tive de aprender a nova linguagem do computador e da internet. Aprendi tanto que foi por meio desta que conheci, aos cinquenta e dois anos, meu companheiro, com quem tenho, desde então, compartilhado as aventuras do viver.
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo tendo sonhos, projetos, faço minhas caminhadas matinais com meu cachorro Kaká, pratico ioga, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas ao banheiro), gosto de cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que um dia sonhei conhecer.
Por dois anos não exerci qualquer atividade profissional, mas voltei a orientar trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em turmas de pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos, que têm se beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito mais que ensinado.
Só agora comecei a precisar de óculos para perto (para longe eu uso há muitos anos) e não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos que nem se percebe (privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar grisalho após os setenta anos).
Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas e os quilos a mais, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas aprendizagens: a do apêndice me traz recordações do aniversário de nove anos passado no hospital; a da cesárea marca minha iniciação como mãe e a mais recente, do câncer de mama (felizmente curado), me lembra diariamente que a vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu, lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço as panelas no fogo.
Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte: constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de mim...
Mas, do que é que eu estava falando mesmo?
Ah, sim, dos meus sessenta.
Claro que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm essa prerrogativa, talvez porque não são considerados pessoas inteiras), atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos reservados do metrô e a TPM passou a significar “Tranquilidade Pós-Menopausa”.
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em minha nova condição de mulher muito sex...agenária!
Por Regina de Castro Pompeu